O que os pais querem para os filhos? – Roseli Sayão

“Os pais são os primeiros personagens na vida do filho, e a relação com ele funciona como origem das imagens que a criança faz dela mesma”.

Ouvi, outro dia, um trecho bem interessante de uma conversa entre um pai e seu filho de mais ou menos nove anos, que viajavam ao meu lado. O garoto afirmava ao pai, com convicção, que neste ano ele queria ser um bom aluno, que queria tirar boas notas e que não se comportaria do mesmo modo que no ano passado. O pai não levou o assunto à diante, e o menino perguntou se ele também queria que fosse bom aluno. O pai devolveu de imediato sua resposta: “O que importa, filho, não é o que eu quero para você, mas o que você quer para a sua vida”. Após essa intervenção do pai, o garoto emudeceu.

Claro que os pais querem coisas para os filhos, e muitas. Querem que os filhos sejam felizes, querem que os filhos sejam bons no que fazem, que tenham muitos amigos e sejam solicitados por eles, que sejam ótimos alunos, que tenham um bom preparo para o futuro etc. Do mesmo modo, não querem que os filhos sofram com frustrações e rejeições, que enfrentem dificuldades e obstáculos sozinhos, entre outras tantas coisas. É na relação com os filhos que os pais expressam esses anseios todos, que estreita ligação com a cultura do mundo em que vivemos. A felicidade, os pais acreditam que é possível comprar: tudo ou quase tudo o que os filhos querem, os pais dão. E mais: os pais tentam até adivinhar o que os filhos podem querer e, por isso, estão quase sempre um passo à frente deles.

As decepções, frustrações e rejeições que os filhos, inevitavelmente, têm a enfrentar nas mais diversas situações que a vida lhes impõe, os pais acham que é possível impedir. Entre outros motivos, é por essa razão que muitos pais relutam em dizer “não” aos filhos quando eles pedem ou querem algo.
As encrencas que os filhos arrumam que se transformam em problemas a solucionar ou a enfrentar, os pais não conseguem delegar a eles: quase sempre intervêm decisivamente, poupando os filhos dos dissabores das situações nas quais se envolveram. (…).
Pois é: tudo o que os pais querem para os filhos, eles realizam ou tentam realizar. Mas os filhos querem também e, sobretudo, que seus pais sejam os depositários iniciais de seus deveres e anseios para que, depois, se tornem seus. Entretanto, isso tem sido bem difícil de os pais bancarem. Principalmente porque essa atitude soa, aos pais, como autoritarismo.

No exemplo citado no início, o pai disse ao filho que não importava o que ele queria, e sim o que o filho queria.
Mas os filhos podem passar a querer determinadas coisas justamente porque os pais querem que ele queira; além disso, os pais precisam também ajuda-los a realizar esse querer, é claro. Ao delegar totalmente ao filho a responsabilidade por querer ir bem na escola e por realizar tal fato, o pai simplesmente se absteve de qualquer responsabilidade diante dessa questão da vida do filho. Para muitas crianças pode ser um fardo pesado demais.

Os pais são os primeiros personagens na vida do filho, e a relação de pertencimento familiar que com ele constroem funciona como origem das imagens que a criança faz dela mesma: isso é identificação.(…).

Dizer ao seu filho “eu quero que você seja assim” ou “quero que faça tal coisa” ou o contrário não é autoritarismo nem tira a liberdade do filho. É um norte, uma referência que aponta um rumo: o da família. Na maturidade o filho irá encarar essa direção como uma opção de escolha, entre outras tantas que descobrirá por conta própria. Isso é liberdade, coisa, aliás, para gente grande e responsável.